sexta-feira, 1 de junho de 2007

... para Confidência (*)

Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem retorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto, (*) Confidência, "Raiz de Orvalho", Caminho, p.23/4

2 comentários:

poetaeusou . . . disse...

*
“Mas a paixão é coisa que morre mesmo antes de se extinguir, tão sorrateira que nem lhe notamos enterro nem velório. No jejum do coração quem emagrece é a alma. Até que o céu perde o cheiro, o tempo não tem sabores e a vida se descolará.”
*
mia couto - a outra
*

wind disse...

Lindo e adoro Mia Couto:)
Beijos