sexta-feira, 28 de setembro de 2007

do azul

do azul
da espuma
do encanto
do delírio

só o mar
só o mar


só o mar

Jorge Casimiro, "murmúrios ventos", Editora Pássaro de Fogo, p. 94

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Dedo Apontado

Aponto o dedo para a Lua,
e a luz branca escorre, lenta,
pelo escuro.
No Tejo uma falua,
desgarrada,
que, condenada,
foge do próprio futuro.
Nem uma nuvem tolda o meu presente,
que desliza, inconsciente,
para o nada.
O silêncio é a verdade nua e crua.
Algures, morre o passado,
e eu estou ausente.
Com o dedo apontado para a Lua.

Manuel FIlipe, "Tempo de Cinza", Editora Apenas, p. 51

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

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"Há noites em que me debruço sobre a minha vida como se fosse um poço, e quase caio. Olho para baixo e é um agudo abismo. Então penso que talvez me faça falta um Deus, ou alguma coisa como um Deus, em cujos fortes braços eu me pudesse amparar. Felizmente tais momentos de desânimo são muito raros. A maior parte das vezes passo muito bem sem Deus, sem anjos, sem a ideia de um paraíso ou de um inferno."

HAYAT, Faíza, "O fim de Deus" in Pública de 23/09/2007

domingo, 23 de setembro de 2007

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"Como gostava de ser um dos meus gatos que não põe em questão o imenso trabalho de ter, sempre e inutilmente, de justificar a sua vida"

PAIXÃO, Pedro, "Cala a minha boca com a tua", Livros Cotovia, p. 91

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

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Se numa tarde encostei o olhar ao vidro
Embaciei-me de dúvidas quando te reflecti.
Virás tu parar nesta imprudência íngreme,
que é a encosta do amor?

SALAZAR, Tiago, O Poema Íngreme, in Tantas Mãos a mesma Primavera, Oficina do Livro, p. 65

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

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"Perco-me se me encontro, duvido se acho, não tenho se obtive. Como se passeasse, durmo, mas estou desperto. Como se dormisse, acordo, e não me pertenço. A vida, afinal, é, em si mesma, uma grande insónia, e há um estremunhamento lúcido em tudo quanto pensamos e fazemos."

PESSOA, Fernando, "O Livro do Desassossego", Novis, p. 160

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

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"Gostava que a tua casa fosse o meu coração, como um botão que encontrou o seu lugar, porque a nossa casa é o único lugar do mundo onde podemos descansar, onde nos compreendem mesmo quando nós não nos conseguimos perceber".

PINTO, Margarida Rebelo, "Diário da tua Ausência", Oficina do Livro, p. 70

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

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"Só acredito em paixões impossíveis", dissera-lhe ela antes do primeiro beijo: "Os amores possíveis não têm nada a ver com o amor":
Com aquela frase estabelecera as regras e os limites. Nunca lhe dissera que seria para sempre, ao contrário, insistira: "Não haverá amanhã!". E cumprira. Acontece que o que perdura, o que nunca conseguiremos esquecer, não é o que temos como certo, o que está ao alcance dos dedos e do vulgar desejo, o que sabemos que durará para sempre, mas o que não será nosso - se acaso algum dia fôr - senão por um brevíssimo instante. Um fulgor."

AGUALUSA, José Eduardo, "Depois que o Verão termina" (exc.), in Pública, 9/09/2007

(Recomendo o texto completo. Não o coloco aqui por inteiro, por ser bastante extenso)

domingo, 9 de setembro de 2007

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Evadir-me, esquecer-me, regressar
À frescura das coisas vegetais,
Ao verde flutuante dos pinhais
Percorridos de seivas virginais
E ao grande vento límpido do mar.

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, "Dia do Mar", Caminho, p. 58

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

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"Do alto da duna via-se a tarde toda como uma enorme flor transparente, aberta e estendida até aos confins do horizonte."

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, "Contos Exemplares", Portugália Editora, p. 148

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

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Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil!
Procurei-me na luz, no mar, no vento.

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, "Mar", Caminho, p. 72

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

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Aquelas cujos ombros se extinguiram
Contra os muros dum quarto misterioso
Onde há uma janela voltada para longe

Aquelas em cujos olhos não há cor
À força de fitarem o vazio
Que vai e vem entre o horizonte e elas

Aquelas cujo desespero cai
De todo o céu a pique sobre a terra,
Imutável e completo, igual
Ao silêncio do mar sobre os naufrágios.

Elas são aquelas que esperaram
Que todas as promessas se cumprissem
E que nos cegos deuses confiaram.

BREYNER, Sophia de Mello Breyner, "Dia do Mar", Caminho, p. 94

domingo, 2 de setembro de 2007

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Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.

Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

Porquê jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Porquê o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, "Dia do Mar", Caminho, p. 82